Shipping 4.0

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É inevitável reconhecer que a quarta revolução industrial está aí. A primeira revolução industrial verificou-se no início do século XIX com a máquina a vapor. A segunda verificou-se nos primeiros anos do século XX com a produção em série.

A terceira revolução industrial verificou-se nos anos setenta do século XX com a introdução da eletrónica e dos sistemas de informação, possibilitando a automatização da produção.

No século XXI estamos a assistir à quarta revolução industrial (Indústria 4.0) com a produção baseada em sistemas ciberfísicos que ligam o real ao virtual, sendo por assim dizer o “fio” que liga toda a IoT (Internet of Things), ou seja que liga as máquinas aos sistemas de informação e ao utilizador permitindo as ligações entre pessoas, pessoas e máquinas e mesmo entre máquinas (M2M), permitindo transformar qualquer objeto numa fonte de informação acerca do mesmo.

Estamos no caminho da total automatização e autonomia da produção com base na informação recolhida junto das pessoas através dos objetos que utilizam no seu dia a dia, como sejam o seu computador, tablet, smartphone, ou mesmo os seus eletrodomésticos e qualquer tipo de equipamento que esteja ligado à rede.

A IoT pode ser definida como uma ligação em rede de sistemas ciberfísicos, sendo a base da IoT (Industrial Internet of Things).

Prevê-se que todas estas tecnologias disruptivas venham alterar radicalmente os setores produtivos até 2025, representando a total digitalização deste setor.

Como não poderia deixar de ser, a indústria do shipping acompanhará esta revolução industrial, com as necessárias adaptações inerentes à sua atividade e produto final específico. Daí a designação já usada de Shipping 4.0.

Aqui, o produto final do shipping, no caso do transporte de mercadorias, estará certamente sujeito a um processo revolucionário de otimização através da automatização e da autonomia dos seus meios de produção, neste caso os navios, começando no planeamento da sua construção, a sua construção propriamente dita, a sua gestão técnica e, por fim, a sua operação comercial, tornando-se num sistema completo o qual se ligará a outros sistemas, como os sistemas de terra de operação de carga, igualmente automatizados, resultando numa interligação e comunicação direta entre sistemas.

Os navios serão controlados remotamente em tempo real, numa primeira fase com uma interação humana, como já está a acontecer, a qual tendencialmente desaparecerá, resultando em sistemas M2M (Machine to Machine), onde a IA (Inteligência Artificial) terá um papel cada vez mais importante. Tudo baseado na total digitalização da informação.

É claro que não poderíamos esquecer que o transporte marítimo faz parte de um sistema logístico mais alargado que funciona em rede e onde toda a quarta revolução industrial se encontra mais desenvolvida, sendo apenas mais uma questão de interligação de sistemas e da gestão da sua informação.

Dentro de dez anos já nada será como é hoje na área do shipping, assim como em muitas outras áreas, estando-se perante uma evolução geométrica acentuada a qual carece de uma atenção redobrada e acompanhamento permanente.

Não esqueçamos que a informação não é como um bom vinho que melhora com o tempo, pois quando este artigo for lido já algo de novo se passou e mais um passo se deu na evolução constante que estamos a assistir.

Para quem pense que isto ainda é ficção chama-se a atenção para a experiência realizada pela Rolls-Royce e a Svitzer no início de 2017 em que testaram com sucesso uma manobra de um rebocador de 28 metros no Porto de Copenhaga, o qual foi automatizado, largando do local onde se encontrava, fazendo um percurso até à sede da Svitzer e voltando a atracar. Não sendo ainda o caso de uma chamada autonomia, mas sim de uma automatização completa em conjunto com uma operação controlada remotamente.

Aliás, não é nada de novo pois os drones de utilização militar há muito que voam com controlo remoto e um sucesso incontestável nas suas missões. Porque não poderá acontecer o mesmo com os navios?

Recentemente (a 16 de janeiro) a Cosco recebeu o seu novo navio porta-contentores MV “COSCO Shipping Aries”, com capacidade para 20.000 TEU’s, dispondo de ciberfunções para o controlo remoto do seu sistema energético, ou seja, da sua instalação composta pela máquina principal e restantes equipamentos ligados à propulsão e energia do navio, tendo sido certificado pela Lloyds Register com o Cyber AL3 SECURE PERFORM.

Para quem não saiba, um navio para poder navegar deve ter todos os seus equipamentos e sistemas certificados pela autoridade competente do Estado de bandeira do navio ou por uma sociedade classificadora reconhecida por essa autoridade.

Esta classificação da Lloyds Register possui cinco níveis, designados por AL (Accessibility Levels) para sistemas autónomos ou remotos, indo do nível “0” (No Access) até ao nível “5” (autonomous monitoring and control, with no onboard permission required or override possible).

O nível atribuído a este navio da Cosco, AL3, Cyber access for autonomous/remote monitoring and control (onboard permission is required and onboard override is possible), significa que a instalação do navio pode ser controlada remotamente por terra mas que a tripulação a bordo tem de autorizar a mesma e pode sempre assumir o controlo quando assim o entender.

Este é o primeiro passo para a revolução do Shipping 4.0, através de uma fase experimental do controlo remoto dos navios, mas ainda com tripulações a bordo, seguindo-se a redução ou total inexistência de tripulações a bordo, através de uma completa automatização dos sistemas, mas mantendo-se o controlo remoto por terra, acabando finalmente numa autonomização dos sistemas e da entrada da IA substituindo toda a intervenção humana.

Resta-nos pensar… como acompanhar este desenvolvimento? Como nos devemos adaptar? Qual será o papel de cada um dos atuais atores num sistema destes? Como poderemos participar e fazer parte deste futuro que está aí tão perto? Qual será o impacto nas nossas atividades e nas nossas vidas?

Há que ser criativo e começar a pensar e a preparar hoje o futuro ou correremos o risco de não fazer parte dele.

fontes: intelog.net / João Soares