A responsabilidade dos operadores logísticos em um mundo novo e de muitas incertezas

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I– O mundo e o Brasil do século XXI

Não há dúvidas que o início deste século tem se caracterizado por um mundo em constante e profundas mudanças. E de muitas e profundas reflexões.

A crise mundial, que é econômica, financeira, política, institucional e cultural tem demonstrado que os organismos internacionais e os governos nacionais – de esquerda ou de direita, mais ou menos estatizantes – têm cada vez maiores dificuldades para manter o controle e a estabilidade exigidos pelas sociedades contemporâneas.

O escritor inglês Rana Dasgupta procura explicar um pouco o fenômeno de ‘obsolescência do sistema político internacional atual’ em seu livro “A extinção do Estado Nação”, enquanto o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (livro “Babel: Entre a Incerteza e a Esperança”) escreve explicitamente que “Estamos num interregno: entre o que deixou de ser e o que ainda não é. Nenhum dos movimentos sociopolíticos que ajudaram a minar as bases do velho mundo está pronto para herdá-lo. Não surgiu nenhuma ideologia ou visão consistente que prometa dar forma a novas instituições para este novo mundo”. De fato, vivemos uma era de incertezas.

O fato é que são cada vez maiores as exigências para que se desenvolvam mecanismos mais eficientes e de maior efetividade de combate à desigualdade, ao analfabetismo, à exploração irracional e predatória dos recursos naturais, à violência, à corrupção, e de amparo aos milhões de refugiados que diariamente fogem de seus países de origem. Da globalização à democracia, do estado-nação aos valores ocidentais, parece que tudo está em cheque neste mundo cada vez mais instável e incerto.

Se não fosse o bastante, são desconhecidos ainda, nos campos do comportamento das pessoas, das sociedades e das nações, em seus diferentes graus de desenvolvimento, os impactos gerados, por exemplo, pela ‘criptomoeda’, ainda fora do controle dos bancos centrais nacionais, ou pela rápida evolução tecnológica e digital, que de forma crescente incorpora grandes contingentes da população mundial à interconectividade, proporciona a internet das coisas, a inteligência artificial, a computação nas nuvens, o BigData (controlado por poucas e grandes corporações do ramo da informática), o blockchain, os serviços da Web, a impressora 3D e os carros autônomos.

Indiscutível, pois, é o fato de que mudanças significativas ocorrerão nas relações entre pessoas, entre empresas, países, no trabalho, no comércio, na economia, na política, enfim, em todas as atividades da vida humana. E os setores “mais atrasados”, que ainda não fazem parte desse movimento ou que estão em estágios mais iniciais, certamente, em breve e compulsoriamente, terão que vir a fazer parte das reflexões a respeito. Aliás, é o que comprovam todos os fóruns de discussão realizados nos últimos anos.

O Brasil, refletindo diretamente os impactos oriundos desse “novo e conturbado mundo”, também viu alteradas suas estruturas, política, social e econômica, iniciando o novo século “quase” como modelo e exemplo a ser copiado.

Infelizmente, por motivos diversos, esse ‘progresso’ foi interrompido e o Brasil, já a partir de 2013, passou a enfrentar a maior crise de toda a sua história.

O ‘tamanho do desastre’ é comprovado por todas as pesquisas realizadas e com reflexos negativos em todos os setores da vida nacional. Com número recorde de desempregados e serviços públicos de péssima qualidade, notadamente nas áreas da saúde, educação e segurança, a maioria dos indicadores macroeconômicos ‘desandaram’: altíssimos déficits orçamentários e aumento perigoso da dívida pública, baixíssima produtividade dos fatores de produção, indústria nacional em condições dificílimas, comércio exterior dos tempos de colônia (exageradamente primário exportador e com crescente déficit na balança comercial de produtos de alta e média-alta tecnologia) e baixíssimas taxas de investimentos, inclusive em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento, o Brasil “andou, e muito, para trás”.

Poder executivo fraco, totalmente despreparado e incompetente, judiciário arrogante e pré-disposto a invadir os demais poderes, Congresso Nacional confuso, inoperante, cooptado e indiferente aos verdadeiros problemas da nação brasileira, políticos que, além de não estarem à altura de seus cargos, somente buscam a reeleição para se protegerem da justiça e manterem seus privilégios, falta de novas lideranças políticas e empresariais, despreparo (e conivência enquanto pode se proteger) da classe dirigente, esquema de corrupção jamais visto, adoção de políticas equivocadas e a proximidade das eleições, aprofundaram a crise, geraram mais instabilidade e diminuem a governabilidade.

Chegou-se ao ponto no qual o desrespeito à Constituição e à ordem jurídica, incluindo o pensamento de que “somente com a transgressão será possível combater a transgressão”, não causa mais espantos ou indignações. Transformando “políticos presos em presos políticos”, há quem acredite que a principal causa da crise econômica atual é fruto das investigações que se fazem no combate à corrupção e que, em nome da estabilidade econômica, investigar, processar, julgar e condenar autoridades que cometeram crimes comuns, são atividades que deveriam ser postergadas para momentos mais propícios.

E como nossa classe dirigente (quase toda ela), por incompetência, inapetência, conivência e/ou má-fé, perdeu as condições mínimas para resolver essa crise, as agendas positivas e convergentes, as discussões sobre reformas e outros temas imprescindíveis à retomada dos investimentos e do crescimento econômico, ou sobre a modernização do Estado brasileiro, de aumento da produtividade das atividades econômicas, de apaziguamento de ânimos ou de restauração da ética e da moralidade, ficaram, inevitavelmente, para o futuro.

Consequente, e lamentavelmente, as perspectivas não são de melhora, até porque o cenário externo, favorável até então, deverá piorar e os graus de insatisfação da sociedade tendem a aumentar, propiciando o surgimento de “aventureiros”, à esquerda e à direita, pródigos na proposição de soluções imediatistas, fáceis e populistas. Inclusive que afrontem a Constituição, o Estado de Direito e a própria Democracia. Um futuro ainda bastante duvidoso.

II – O desempenho da logística brasileira

E se o mundo e o Brasil estão “mudando”, ficando cada vez mais complexos e difíceis, é fácil compreender porque também a logística precisa evoluir e se adaptar às novas exigências da sociedade, em geral, e dos mercados em particular.

Crescimento e desenvolvimento econômicos dependem, entre outras diversas providências, da execução de uma logística praticada com excelência, pois é através dela que será possível diminuir custos e desperdícios relativos às atividades destinadas à movimentação de pessoas e de mercadorias. Imagine-se então, neste mundo de constantes mudanças, quais e quantos esforços precisarão ser feitos no campo da logística para que ela cumpra eficientemente seu papel. Não há dúvidas que a inovação e a produtividade são dois ingredientes imprescindíveis e fundamentais que, automática e inevitavelmente, diminuirá custos e contribuirá diretamente para o aumento da competitividade.

Infelizmente o Brasil conta com baixíssimos índices de produtividade, competitividade e desempenho logístico. Em competitividade, segundo o Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 80ª posição entre 138 países pesquisados em 2017. Enquanto isso, estudos do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação (MTPA), da Confederação Nacional do Transporte (CNT) ou do Banco Mundial, mostram que é sofrível nosso desempenho logístico, seja pelo baixíssimo investimento em infraestrutura que resulta, inexoravelmente, na má qualidade dessa infraestrutura logística, pelo excesso de burocracia nas alfândegas e nas fronteiras ou pela baixa competência de seus profissionais.

O IPEA, Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, em estudo divulgado em agosto do ano passado, “Desafios de uma Nação”, calcula que nosso País precisaria triplicar o ritmo de crescimento da produtividade (do atual 0,5% aa para 1,5% ao ano) e dobrar os investimentos em infraestrutura, caso queira dobrar a renda per capita brasileira nos próximos 30 anos. “Em um cenário básico, sem reformas econômicas, melhorias de governança e estímulos ao investimento e inovação e apenas com a manutenção da estabilidade econômica, o estudo mostra que o Brasil cresceria sua renda per capita em 38,3% até 2050. No caso de implantação de todo o programa de reformas e medidas para aumentar a produtividade e os investimentos, o IPEA acredita que isso a levaria para 101,5%!” Vale ressaltar a recomendação final: é preciso aumentar produtividade e investir em infraestrutura.

Portanto, um dos principais motivos para que o Brasil, em especial nossa logística, não opere com os custos e a eficiência que dela se espera, é a falta e a baixa qualidade de investimentos. “Além da baixa qualidade, o Pais vem investindo pouco no setor, o que aumenta o atraso relativo” diz o BNDES em seu estudo sobre o crescimento da economia brasileira para o período 2018/2023 (Perspectivas DEPEC 2018).

Segundo dados do próprio BNDES, entre 2008 e 2013 o país investiu, em média, somente 2,5% do PIB em infraestrutura, estando muito atrás de outros países emergentes. E, por causa da recessão instalada no País nos últimos dois anos, esses investimentos foram reduzidos ainda mais. Trabalho elaborado por Cláudio R. Frischtak e João Mourão para o IPEA (no contexto do estudo já mencionado) mostra, de forma inequívoca, que os investimentos – público e privado – em infraestrutura (telecomunicações, energia, saneamento e transportes) tiveram quedas significativas desde os anos setenta do século passado. Enquanto naquela década os investimentos em infraestrutura equivaliam 6,3% do PIB brasileiro, nos dez anos compreendidos entre 2001 e 2010 foram de apenas 1,96%, com uma pequena recuperação entre 2011 a 2016, quando chegaram a 2,2%. Atualmente investe-se em infraestrutura um terço do que se investia 46 anos atrás! Em transporte (todos os modais) as quedas foram uma constante: depois de 2,36% do PIB na década de setenta e entre os anos de 2011 e 2015, em 2016 esse percentual foi de apenas 0,85% do PIB.

Relatório do Banco Mundial mostra que o Brasil, nos últimos 20 anos, investiu abaixo da taxa de depreciação natural (estimada em 3% do PIB), diminuindo ainda mais o estoque de infraestrutura. Segundo os estudos de Frischtak e Mourão, já citados, o Brasil em 2016 possuía um estoque de infraestrutura equivalente a 36,2% do PIB e, para alcançar um estoque de infraestrutura equivalente a 60,4% do PIB, percentual calculado como necessário para se alcançar melhor bem estar da população e aumentar a competitividade da economia, precisará investir, durante 20 anos seguidos, 4,15% do PIB, isto é, mais do que o dobro dos investimentos observados no período 2001 e 2016.

A precariedade da logística brasileira também tem a ver com nossa matriz de transporte excessivamente rodoviária, de maior custo e que conta com estradas ruins e mal conservadas. Como bem diagnosticou o BNDES (“Visão 2035 – Brasil, país desenvolvido”): “é óbvio que no caso brasileiro, os custos logísticos são majorados pelo uso preponderante do modal rodoviário no transporte de cargas em longas distâncias, pela falta de qualidade da infraestrutura (física e de gestão) e pelas dificuldades de integração racional do fluxo logístico, gerando estoques indesejáveis”. A dependência do modal rodoviário (64,9% do total quando analisamos sob o ponto de vista TKU – tonelada quilômetro útil, segundo relatório da EPL de 2015), operado basicamente com óleo diesel (segundo estatísticas do ILOS, Instituto de Logística, a participação do óleo diesel nos custos do transporte rodoviário de cargas foi de 26,2% em 2016. Em 2006 chegou a 35,7%), também nos obriga a realizar operações mais poluentes e mais vulneráveis aos movimentos paredistas do setor de transporte rodoviária de cargas, como esse que vivemos atualmente.

Não bastasse tudo isso, o Brasil ainda precisa conviver com exagerada burocracia nas atividades aduaneiras e alfandegárias, baixa disponibilidade e alta ineficiência dos portos, aeroportos e terminais intermodais, altíssimos índices de roubo de cargas e o excessivo número de acidentes e de vítimas em nossas ruas e estradas.

O Comitê de Transporte de Cargas do Reino Unido (“Joint Cargo Committed”), em seu último relatório, dá conta que entre os 57 países nos quais o transporte é mais arriscado, o Brasil ocupa a 6º posição, atrás da Síria, Líbia e Afeganistão. Segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), os roubos de cargas aumentaram mais de 86% entre 2011 e 2016, com mais de 22 mil casos e prejuízos de cerca de R$ 6 bilhões. Dados obtidos junto ao Ministério da Saúde (DATASUS), relativos a 2015, contabilizam 37.306 mortes e 204.000 feridos hospitalizados. Segundo o DPVAT, nesse mesmo ano, foram 42.500 indenizações por morte e 515.750 por invalidez (Dados atualizados em 12/02/17 e publicados pelas Vias Seguras – Associação Brasileira de Prevenção dos Acidentes de Trânsito). Lamentável!

Restrições orçamentárias, e consequente baixo investimento público, alto custo do capital, falta de planejamento de longo prazo, riscos regulatórios e jurídicos e a baixa capacidade de se elaborar projetos com qualidade, são alguns dos motivos que explicam parte desse enorme problema e que, sem dúvida, comprometerá qualquer crescimento sustentável futuro do Brasil.

III – Operadores Logísticos do futuro

Neste mundo em mudança e de grandes incertezas, a maioria das empresas, para colocar seus planos de negócios em bons termos, têm buscado liquidez, rentabilidade e preservação de suas posições de mercado. E também concluíram que, entre outras providências, precisam fazer isso através do aumento da produtividade e de maior eficiência logística. Muitos concluíram, inclusive, que terceirizar essas atividades qualifica e acelera o processo.

Mesmo (ou principalmente) em épocas de recessão, de crise ou de grandes incertezas como a atual, os mercados logísticos vivem momentos de acirramento e de aumento da competição, pois a integração das diversas cadeias de abastecimento, que compõem o sistema produtivo, é fundamental e necessária. As cadeias de produção são muito mais globais e complexas e estão permanentemente exigindo um conjunto de ações integradas, coordenadas, com desenhos e soluções logísticas mais personalizadas – a clientes, produtos e regiões – e adaptadas às novas realidades que, como já bem salientado, teimosa e frequentemente, se apresentam.

Consequentemente, adequar-se às novas exigências de mercado e às mudanças de ambientes, fizeram com que os operadores logísticos promovessem profundas alterações em suas próprias características, concebendo, desenhando e desenvolvendo um conjunto de novas atribuições. Agora, além de se buscar soluções para diminuir custos, a logística passou a ser discutida sob o ponto de vista estratégico, uma vez que ela propicia, para empresas e países, vantagens competitivas imprescindíveis. A logística transformou-se em diferencial mercadológico, pois pelo menos no curtíssimo prazo, o novo modelo logístico implantado não poderá ser copiado ou imitado. E na medida em que isso vem ocorrendo, mais a logística é considerada como ativo próprio.

Óbvio, portanto, que os profissionais de logística passaram a lidar com um aumento significativo de riscos, oriundos dos fenômenos da natureza ou simples consequências das diversas circunstâncias políticas, econômicas e financeiras que se apresentam. O aumento de riscos, da volatilidade e da imprevisibilidade (culturas, costumes, regulamentações, infraestruturas e custos diferentes) também têm se tornado mais constantes na vida de todos aqueles que trabalham com logística. É preciso estar preparado.

IV – ABOL, a associação dos operadores logísticos

Como aqui já comentado, as dificuldades para se prestar serviços logísticos de qualidade e baixo custo no Brasil são muito grandes. Se a legislação é complexa, se a extensão territorial do País tem amplitude continental e se a infraestrutura é anacrônica, também é complicadíssimo o arcabouço legal vigente que ainda não reconhece a figura do Operador Logístico e o submete a uma lista interminável de regulamentações, muitas conflitantes entre si, e a ser (des)controlada por diversos órgãos intervenientes, anuentes e/ou reguladores. E que não atuam de forma integrada, muito pelo contrário, quase sempre sobrepostos uns aos outros e totalmente independentes (mas todos “mandando”).

Diante disso e com vistas a dar atenção aos principais temas do setor e criar ambiente propício ao debate é que foi criada, em 17/07/2012, a ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos. Mais do que nunca, aos seis anos desde a sua fundação, a ABOL continua acreditando no fortalecimento da logística como atividade organizada e disciplina a ser desenvolvida dentro de critérios elevados de qualidade e competência. E, perante o governo, continua fazendo junções para que:

  1. Fortaleçam-se as agências reguladoras para que retomem suas autonomias e priorizem a competência técnica, livrando-se, principalmente, das influências e nomeações políticas;
  2. Seja desburocratizado e restabelecido a capacidade de planejamento integrado como forma de evitar a sobreposição de funções institucionais e os conflitos de gestão;
  3. Sejam traçadas políticas que estimulem a multimodalidade e a articulação das diversas cadeias produtivas (aliás, como demonstrado pelo Plano Nacional de Logística-PNL que, de forma objetiva, mostra o grande potencial na utilização da multimodalidade na movimentação de cargas por todo o País);
  4. Institucionalizado, via PNL, recém divulgado pela EPL (Empresa de Planejamento Logístico), processos contínuos de planejamento estratégico, como forma de se manter racionalidade de investimentos e integração de todas as políticas pertinentes no longo prazo;
  5. A EPL (Empresa de Planejamento Logístico) assuma, de fato, a organização, estruturação e a qualificação do planejamento integrado da infraestrutura e da logística no Brasil;
  6. Sejam estabelecidas regras claras (marcos legais e regulatórios com bastante transparência) para atrair a iniciativa privada para projetos de infraestrutura logística;
  7. Sejam priorizados os projetos mais viáveis e compatíveis com as políticas maiores (econômicas e de investimentos em infraestrutura logística);
  8. Seja assegurando que a implantação de projetos que maximizem a utilização dos ativos recém-instalados e/ou já existentes;
  9. Sejam buscados recursos – nacionais ou estrangeiros, públicos ou privados – que financiem os principais investimentos em infraestrutura estabelecidos;
  10. Sejam estabelecidos critérios claros e justos de financiamentos, das taxas de retorno sobre investimentos para, além de atrair investimentos do setor privado, diminuam riscos cambiais ou falta de seguro, por exemplo;
  11. Seja realizada uma reforma tributária capaz de estabelecer um imposto único sobre o bem transportado, a exemplo do IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), que diminua a carga tributária das atividades logísticas e simplifique as obrigações acessórias.

V – Conclusões

Embora totalmente decepcionado, o brasileiro não está inerte com relação à politica, mas compreendeu que as atuais classes políticas, principalmente seus partidos, não mais representam a sociedade brasileira, uma vez que estão envolvidas nos crescentes esquemas de corrupção e com uma desfaçatez invejável, ignoram os reais problemas brasileiros.

As próximas eleições ocorrerão, sem dúvida, em cenário bastante diferente daqueles que vimos até hoje, pois é indiscutível que o Brasil, com a crise e apesar dela, tem conseguido obter alguns ganhos institucionais importantes, na medida em que a população mais informada (a imprensa continua livre) também está envolvida e percebeu, de forma clara e inequívoca, que a movimentação política e o voto são importantes na vida dos cidadãos e que a Democracia, mais representativa, é meio à consecução do progresso e bem-estar de todos. Passou-se a acreditar que gente poderosa também responde à justiça, pode ser presa como qualquer outro cidadão e que crimes comuns não podem e não devem ser politizados, mas sim, limitados às páginas dos assuntos policiais. E as classes políticas e dirigentes, sob o risco e o medo de ‘perderem os dedos’, devem ter entendido que precisarão ter respostas imediatas a esses anseios. Além do que:

  1. As taxas de crescimento econômico serão menores se comparadas com aquelas vislumbradas ainda recentemente. O próprio BNDES (“Perspectivas DEPEC 2018”) conclui que nos próximos 5 anos, para que não haja pressões inflacionárias, o máximo de crescimento a ser alcançado será de 3% aa);
  2. A incapacidade de equacionar ou resolver, no curto prazo, os déficits orçamentários e a dívida pública, aumentarão os riscos e o custo do dinheiro e diminuirá investimentos;
  3. O cenário externo mais instável (Argentina, juros americanos, preço do petróleo e queda do comércio global) poderá transferir investimentos dos emergentes para os países mais avançados;

Considerando as atuais circunstâncias e mesmo que ainda o futuro nos traga muitas incertezas e dificuldades, é fundamental não acreditar que tudo está errado e que tudo precisa ser mudado. O Brasil tem boas reservas, contas externas saudáveis, inflação sob controle e taxas de juros ‘mais ou menos civilizadas’. Tem um povo trabalhador e suas instituições democráticas, com todas as dificuldades postas, continua trabalhando de forma livre. Mas é preciso agir, com cuidado e concretamente, de forma a não alimentar radicalismos, populismo e a crença de que existem soluções fáceis para nossos problemas, tão complexos.

Embora a vontade política para se enfrentar esses obstáculos seja o primeiro passo, é evidente que a solução desses tipos de problemas exigirá a superação de outros obstáculos, de ordem política e/ou ideológica. E para isso é imprescindível desenvolver um canal permanente de comunicação com a sociedade para que se demonstre, com clareza e realismo, o tamanho e a gravidade da crise atual. Não há outra forma, pelo menos democrática, de comprometer e envolver a maioria da população, dos empresários e da sociedade civil, na construção desse processo reformador. Sem medo, é preciso fazer o quê precisa ser feito e as associações de classe, como a ABOL, tem obrigação de participar, seja na apresentação de propostas, naquilo que lhe diz respeito diretamente, ou no apoio de providências que melhorem o ambiente econômico, político e social do País.

A solução da crise passa pela melhoria do ambiente político, a retomada do crescimento econômico e a aprovação de um conjunto importante de reformas – políticas, econômicas e sociais. Mas somente será possível com decisiva e significativa participação do setor privado e da população, desde que se resgate a ética e a moral, a confiança e a credibilidade nas classes dirigentes do País.

Por Paulo Guedes em