Foram dois anos muito bons. Enquanto boa parte dos setores econômicos nacionais teve em 2016 e 2017 resultados amargos e desempenho baixo, na contramão, a indústria farmacêutica fechou um balanço fora da curva. O segmento cresceu, na casa de dois dígitos, nestes dois anos. Em 2016, a venda de todos os tipos de medicamentos somados subiu 12,69%, com 3,5 bilhões de unidades comercializadas no comparativo com o ano anterior. Em 2017, a escalada foi um pouco menor, mas chegou a 11,5% em receita – número, inclusive, acima do esperado pela indústria para um período recessivo como o ano passado. Para 2018, menos otimismo. O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo – Sindusfarma desenha uma performance mais tímida para a indústria farmacêutica, expansão de cerca de 8% até dezembro.
A boa performance nos dois anos anteriores não é fato isolado. Durante décadas, especialmente até os anos 90, o setor notou altas margens de lucro e índices de crescimento estáveis, proporcionados – especialmente – por patentes e produtos inovadores. Contudo, apesar da manutenção dos resultados, a dinâmica do mercado vem se redesenhando.
Os genéricos, por exemplo, caíram no gosto da população e hoje já representam 32,46% do mercado de medicamentos em unidades, segundo o PróGenéricos. A prescrição de patentes produziu uma conjuntura de maior antagonismo, pressionando a composição de preços. A forma de consumir e o consumidor mudaram.
“A indústria farmacêutica está aprendendo a se readaptar aos mercados nacional e global, onde não apenas a concorrência e a quebra de patentes têm impactado as margens, bem como as taxações, o que fez com que as empresas do segmento se especializem em ramos exatos e terceirizem grande parte do que não é core business. Globalmente, temos visto muitas aquisições e fusões, objetivando esta especialização da indústria: agregando valor aos produtos na tentativa de manutenção das margens e crescimento do setor”, acrescenta a gerente de Vendas para o segmento farmacêutico da Panalpina Brasil, Cássia Fernandes.
Esta nova realidade vem transformando a relação da indústria farmacêutica com a logística, especialmente na última década. Terceirizar operações e transporte é, mais do que nunca, uma excelente alternativa às companhias. Estima-se que 30% dos transportadores e operadores logísticos registrados no Brasil possuam licenças e certificados para o transporte de medicamentos. O que, segundo a especialista Julia Setem, retrata uma mobilização do mercado na legalização sanitária. Mas, as especificidades do mercado farmacêutico ainda fazem com que as indústrias tenham cautela na hora da escolha dos fornecedores.
“A abertura do mercado farmacêutico para a terceirização provocou uma movimentação por parte de operadores na direção da adequação no transporte de medicamentos. Ainda assim, é um desafio tanto para a indústria quanto para os prestadores de serviços logísticos garantir que a parceria seja benéfica para ambos os lados e marcada por uma relação ganha-ganha. A confiança e o conhecimento do serviço prestado fazem com que, hoje, ainda haja predominância de parcerias entre grandes operadores e indústria farmacêutica”, lembra a especialista em logística e supply chain, Julia Setem.
Cássia, da Panalpina Brasil, corrobora: “O segmento é muito sensível, não apenas pelo alto valor agregado das cargas, bem como pelo atendimento ao serviço de saúde, creio que é de suma importância a confiança nos parceiros logísticos. A Panalpina, por exemplo, investe em treinamento de pessoas, bem como em sistemas e certificações, de forma a prestar um serviço de qualidade e voltado ao cold chain. Confiabilidade é um dos aspectos mais importantes para os clientes deste segmento”.
Vale lembrar que o universo das operações logísticas farmacêuticas não se restringe a monitoramento de carga e manutenção do controle de temperatura, afinal, estas já não são mais condições suficientes para garantir a eficiência e a segurança da cadeia de suprimentos de medicamentos e outros insumos dos segmentos médico e farmacêutico, explica a gerente de Desenvolvimento de Negócios da área de Soluções de Gerenciamento de Temperatura da DHL, da DHL Global Forwarding, Arlete Gago. “O setor está passando por profundas mudanças e continua crescendo, lançando novos desafios aos operadores e ao mercado como um todo”.
Arlete defende ainda que a análise do segmento precisa ser global e não apenas voltada para determinadas atividades (como o controle de temperatura). “Este contexto é pressionado por diversos fatores, dos quais podemos destacar uma condição emergente e cinco macro tendências”, diz.
A condição, defende a especialista da DHL, é o aquecimento global e as mudanças climáticas, “que estão causando eventos cada vez mais extremos, muito difíceis de prever e que aumentam o risco na cadeia fria como um todo”.
Já as macro tendências, ela elenca da seguinte forma: “a globalização, “que impõe distâncias cada vez maiores entre consumidores e produtores”; o aumento da volatilidade social e de mercado; o avanço da tecnologia; e o surgimento do big data, ou seja, “o uso de dados para desenvolver uma logística preventiva”.
A América Latina enfrenta ainda outros desafios, reforça Arlete. “Começando pelo tamanho e as diferenças geográficas, também traduzidos em diferentes jurisdições e regras de saúde. A deficiência de infraestrutura e a escassez de mão de obra especializada também são características comuns”.
Para reduzir riscos e saber como escolher seguramente um parceiro logístico, com um cenário tão complexo, é preciso planejar e preparar o processo como um todo, minimizando fragilidades. “Monitoramento, visibilidade de transporte e controle de temperatura são elementos bastante importantes, mas olhar antecipadamente para todas as fases de um processo é fundamental para garantir o sucesso de uma operação. Em outras palavras, não podemos ver o transporte da cadeia fria como um mero frete: trata-se de um projeto completo!”, ressalta Arlete Gago.
Cassia Fernandes, executiva da Panalpina Brasil, elenca outros riscos de ruptura da cadeia de frios quando se leva em conta apenas o valor do frete: “Vão desde a perda total dos embarques, bem como risco de vida para pacientes terminais. Riscos estes causados por desvios de temperatura, perda de prazos documentais, falta de visibilidade da cadeia como um todo; complexidade da cadeia; segurança; falta de integração dos parceiros; dentre outros fatores”.
Outros elementos, não menos importantes, no processo são: a embalagem; o risco humano nas operações; a comunicação entre os elos da cadeia de abastecimento e a coleta e padronização adequadas, que servem de base para a gestão estratégica preventiva. O mapeamento de todos os possíveis riscos relativos à cadeia fria e sua análise, culminando na elaboração de um mapa de risco, é o melhor caminho para uma gestão eficiente da operação.
“A abordagem de mitigação de riscos é uma obrigação que permite aos executivos otimizar todos os recursos (financeiros, tecnológicos e humanos), de acordo com as áreas de grande necessidade ou que possam trazer mais resultados. Deste modo, o valor dos serviços logísticos especializados aumenta o olhar estratégico da gestão da cadeia fria – não mais visto apenas como um custo, mas sim como um investimento na confiabilidade da operação – e a função dos operadores como verdadeiros especialistas em logística que proporcionam conhecimentos, e não meras atividades”, conclui Arlete.