ARTIGO: Transformações dolorosas onde a globalização começa a ceder espaço à necessidade de mais autossuficiência

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ARTIGO: Transformações dolorosas onde a globalização começa a ceder espaço à necessidade de mais autossuficiência

Marcos Gonzalez*

 A guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia, além de trágica sob o ponto de vista humano, vem se mostrando um desastre econômico global e de proporções ainda longe de serem previstas. Certamente, como já ocorreu com a pandemia, trata-se de mais um agente dramático que vai deflagrar mudanças brutais nos rumos dos negócios mundiais.

No setor automotivo global os efeitos negativos são dramáticos. Logo na primeira semana de guerra, diversas montadoras na Alemanha e Inglaterra tiveram que paralisar suas produções por falta de componentes vitais que eram diariamente recebidos de fornecedores instalados na Ucrânia.  Além disso, as fabricantes, em função das sanções impostas à Rússia, fecharam unidades no país.

A logística, que já estava caótica e cara por conta da pandemia, tornou-se ainda mais difícil com o fechamento de importantes corredores de escoamento de insumos como o espaço aéreo russo e ucraniano. Outro agravante: vias férreas importantes como a Transiberiana, que as montadoras alemãs usam para abastecer as fábricas na China, estão inoperantes.

Combustíveis imediatamente ficaram mais caros em todo o mundo. Não é diferente no Brasil com o mercado sendo pego de surpresa com o aumento exagerado anunciado pela Petrobras. A inflação vai subir ainda mais e a economia, como um todo, encolherá.

Por aqui observamos que as vendas de automóveis continuam tímidas. No primeiro bimestre deste ano, ainda sem nenhum efeito desta guerra, tivemos licenciados 255,8 mil veículos, resultado 24,4% inferior ao mesmo período do ano passado.

A Anfavea divulgou os resultados de janeiro e fevereiro e o presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, deu uma explicação para as baixas vendas do mês de fevereiro: “As notícias de que o IPI automotivo estava prestes a ser reduzido fizeram com que muitos clientes adiassem a concretização do negócio”.

Na média, o governo reduziu o IPI em 18,5%, sendo que em alguns modelos o índice foi ainda maior, 25%. Mas nem deu tempo para celebrar. Em seguida veio a alarmante notícia da guerra na Ucrânia. Agrega-se a essa nova preocupação o fato de o Brasil depender, e muito, dos fertilizantes produzidos na Rússia. 22% de todo fertilizante usado no agro nacional vem de lá.

Segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos, mais de 85% dos fertilizantes utilizados no País são importados, evidenciando um elevado nível de dependência de importações em um mercado dominado por poucos fornecedores. Essa dependência crescente deixa a economia brasileira, fortemente apoiada no agronegócio, vulnerável às oscilações do mercado internacional de fertilizantes.

Por isso mesmo, o governo acelerou seu projeto de incentivar a produção nacional de fertilizantes e lançou, oficialmente, o Plano Nacional de Fertilizantes. A ideia é, até 2050, reduzir ao menos pela metade a dependência dos produtores brasileiros a esses insumos. Um dos pontos do plano é oferecer incentivos fiscais e regimes especiais à produção local.

O fato é que, pela pior experiência possível, com o choque trágico da pandemia e, agora, com essa lamentável guerra que causa tanto sofrimento e poucos podem sequer arriscar quais serão os desdobramentos, o mundo passará por grandes e aceleradas transformações. A produção local certamente voltará a ser mais valorizada e incentivada. A globalização, sempre vista como algo fundamental, mostra, agora, com pandemia e guerra, também seus nocivos efeitos colaterais.

 *Marcos Gonzalez é o diretor responsável pelo segmento automotivo da Becomex. Formado em Engenharia, com pós-graduação em Administração e MBA em Gestão Fiscal e Tributária, o executivo acumula mais de 35 anos de experiência profissional em empresas do setor automotivo. Gonzalez tem sólida carreira desenvolvida em empresas multinacionais com forte experiência na prospecção e desenvolvimento de novos negócios e habilidade multicultural adquirida no desenvolvimento de atividades comerciais junto a clientes no exterior.